Cerca de uma centena de magistrados do Ministério Público de Angola concentraram-se hoje junto ao Tribunal Provincial de Luanda num protesto silencioso contra a perda de direitos adquiridos e por melhores condições de trabalho e salariais.
Trajados de negro e exibindo cartazes com alertas e reivindicações, os magistrados concentraram-se entre as 09:00 e as 10:00 junto ao tribunal, Palácio Dona Ana Joaquina, local simbólico da magistratura do Ministério Público.
“Magistrados unidos, dignidade garantida”, lia-se numa tarja, enquanto noutra se criticava: “justiça mendiga, democracia moribunda”.
Noutro cartaz lia-se: “Não podemos continuar a pagar para trabalhar”, enquanto outro aludia à luta contra a corrupção, uma das bandeiras do executivo angolano: “O combate à corrupção dos gestores públicos é nossa tarefa, porém fazemo-lo sem quaisquer condições”.
Em declarações aos jornalistas, o presidente do Sindicato Nacional de Magistrados do ministério Público (SNMMP) queixou-se da falta de condições de trabalho dos tribunais, bem como de meios materiais e de deslocação que dificultam o cumprimento das diligências inerentes aos processos, nomeadamente a recolha de provas.
“Se aos magistrados se exigem resultados, para que esses resultados ocorram devem ser-lhes garantidas condições de trabalho, o que não se tem verificado, pelo contrário, retiram-se até direitos prejudicando o provento dos magistrados”, afirmou José Buanga, notando que estes, ao contrário de outros titulares de cargos públicos, estão por lei obrigados a um regime de exclusividade.
O impacto desta situação na qualidade da justiça, segundo José Buanga, mede-se através das salas de audiência sem ventilação e gabinetes exíguos, ou deslocações de centenas de quilómetros com carro próprio em estradas não asfaltadas com “implicações sérias na tramitação processual” levando à morosidade nos processos.
O dirigente sindical adiantou que há magistrados da primeira instância que têm, neste momento, mais de 4.000 processos por despachar e que seria necessário, pelo menos, o dobro dos cerca de 600 magistrados do MP actualmente existente para que houvesse mais fluidez na tramitação.
José Buanga afirmou que as exigências “não são ilegais nem coisas do outro mundo” e que tem consciência da crise económica que o país vive.
“Mas não pode ser pretexto para continuar a adiar que a justiça se faça e que a solidificação do estado de direito se concretize”, considerou, prometendo continuar a chamara a atenção do executivo para a situação porque “não pode existir esse pretexto para uns e para outros não”.
Questionado sobre se ponderavam avançar para uma greve, respondeu que, do ponto de vista legal, os magistrados estão impedidos de o fazer.
“Nós não podemos, enquanto fiscais da legalidade, violar a lei. Vamos usar outras ferramentas ao dispor para pressionar o executivo na mudança de paradigma”, acrescentou, sem querer entrar em detalhes
Olga Saituma Cassoma, procuradora da República e presidente provincial do SNMMP, criticou o facto de os direitos estarem a ser retirados praticamente sem aviso e criticou as “péssimas” condições laborais, exemplificando com a falta de ventilação em salas onde permanecem muitas vezes mais de dez horas.
Manuel Cadete, já reformado, considerou também que os seus direitos estão ameaçados, lamentando que a evolução tenha sido negativa para estes profissionais.
“Sentimos uma certa fragilidade por causa da ameaça destes direitos que nos vão sendo retirados”, lamentou, pedindo que estes sejam respeitados e queixando-se que tudo está a ser feito à revelia dos magistrados, desrespeitando o princípio da legalidade.
No final do protesto, promovido pelo SNMMP, a procuradora Olga Saituma Cassoma leu um manifesto elencando as principais motivações do acto, sobretudo a suspensão e retirada de direitos adquiridos, não actualização da remuneração, falta de condições de trabalho e instalações adequadas e falta de recursos humanos.
Houve palmas no final e, apesar do silêncio ter marcado o protesto, os magistrados quiseram fazer-se ouvir antes de deixar o local.
“Unidos, unidos, unidos. Mais fortes, mais fortes, mais fortes”, repetiram, verbalizando que estão motivados para continuar em defesa dos seus direitos.
M 25 de Janeiro de 2021, os magistrados judiciais e do Ministério Público (MP) angolano denunciaram que estavam em situação de “quase mendicidade” devido à perda de poder de compra e de “cortes injustificados” de regalias, pedindo a “actualização urgente” dos seus salários.
As preocupações dos magistrados angolanos foram expressas numa “interpelação conjunta” da Associação dos Juízes de Angola (AJA) e do Sindicato Nacional dos Magistrados do Ministério Público (SNMMP) enviada aos conselhos superiores de ambas magistraturas.
A AJA e o SNMMP afirmaram constatar “com elevada preocupação” um “certo agravamento da situação social e remuneratória dos magistrados judiciais e do MP, especialmente ao nível da primeira instância e instituições equiparadas”.
Segundo as duas organizações, verifica-se “a redução gradual das regalias previstas sem que se conheçam fundamentos de direitos”.
Os juízes e magistrados do MP, sobretudo na primeira instância, “assistiram, gradualmente, ao longo dos últimos anos, não só à brusca perda do poder de compra dos seus salários”, mas também uma “injustificada privação de direitos e regalias, de caris económico e social, legalmente previstos”, referiam.
Há dois ou três anos, adiantavam, “que se vinha antevendo o corte dos poucos direitos que ainda eram satisfeitos”, mas a intervenção da AJA e do Ministério da Justiça, nos anos anteriores, “evitou que tais direitos e regalias não ficassem afectados”.
“Mas com a aprovação da Lei n.º42/20 de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento Geral do Estado (OGE) 2021, caiu a referida excepção, vendo-se agora os magistrados numa situação pior do que a que vinham suportando até ao momento”, lamentavam.
Os magistrados angolanos recordavam que nos demais órgãos públicos e de soberania do país, como na função pública, deputados à Assembleia Nacional, órgãos de segurança, juízes dos tribunais superiores, “houve actualização salarial”, questionado a sua “exclusão”.
“Agrava ainda mais a situação, o recente incremento do Imposto do Rendimento do Trabalho (IRT) e das contribuições da segurança social, bem como os demais impostos aprovados e já em vigor, como o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), que reduziram ainda mais os salários”, apontaram.
Para estes magistrados judiciais e do MP, “é urgente e imprescindível” que as instituições do Estado “actuem de forma concertada e prática” para solucionar os problemas já identificados e “mitigar a situação de quase mendicidade a que estão relegados”.
Uma realidade que, alertaram, “nada abona para a dignidade da função jurisdicional, que lhes está incumbida, nem dignifica o poder judicial, num momento ímpar como esse em que os magistrados são chamados na linha da frente na consolidação do Estado democrático e de Direito”.
Ambas as associações pediram “soluções imediatas” sobre a falta de seguro de saúde e/ou convénios para a assistência médica e medicamentosa dos magistrados e seus dependentes, a necessidade de viaturas de uso pessoais “para que de forma condigna e com segurança possam melhor exercer as suas funções”.
A necessidade de actualização salarial dos magistrados judiciais e do MP da primeira instância, assinalaram, deve ser em conformidade com as actualizações ocorridas nos demais órgãos de soberania e tribunais superiores, “sob pena de accionarem mecanicismos jurisdicionais convenientes”.
Uma fonte disse nesse sai que os magistrados já obtiveram uma resposta do Procurador-Geral da República (PGR) angolano, que é também presidente do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, Hélder Pitta Groz.
Segundo a fonte, Pitta Groz apontou que o processo de aquisição de viaturas “aguarda despacho do Presidente da República e em relação aos salários “será enviada uma solicitação ao ministro de Estado para a Coordenação Económica para dar seguimento ao processo”.
Folha 8 com Lusa